No dia 16 de julho de 1989, o jornal "O POTI" publicou a seguinte crônica escrita por Lêda Marinho ...
Nascer
em Natal foi um prêmio do destino e nela viver, me deleitando com a sua beleza,
uma dádiva dos deuses.
Natal
criança, foi linda. Tinha tudo para crescer bela e bem sucedida.
Nas
minhas evocações, vejo Natal da Praça Pio X, com o seu coreto em forma de avião
e seus canteiros com “espirradeiras”, que compartilhavam e escondiam os namoros
dos adolescentes.
Vejo
Natal tão provinciana, inocente e poética, que as paixões se tornavam mais
ternas e os namoros mais românticos. Esse romantismo se refletia na Praça da
Jangada, na Praia de Areia Preta, onde os namorados tinham opção de desligar a
luz do poste (existia interruptor) para melhor apreciarem a luz do luar. Esse
luar enigmático e mágico que o natalense conhece bem, clareando mentes e
desembaraçando pensamentos.
Vejo
Natal da Ribeira, do teatro Carlos Gomes, do cais da Tavares de Lira onde eu
embarcava nos barcos à vela, que deslizavam nas águas do rio Potengi, outrora
límpidas e brilhantes como um espelho. As travessias para a Redinha tinham
sabor de aventura e me transportavam a outro mundo. Lá, eu encontrava um grande
gênio, o preto velho Cutruca, figura lendária, que na sua linguagem simples
cantava: “Que cobra danada é a cascavé, ela mordeu no pé, é a cascavé”. No
mágico rio Doce, eu me banhava e parecia sair purificada, mas nos atoleiros dos
mangues minha imaginação só vislumbrava feiticeiras e duendes.
Nas
missas do Convento Santo Antônio, eu aspirava o cheiro do incenso e me sentia
levitando até o teto da Igreja, todo pintado de anjos e nuvens, dando impressão
de um céu bem próximo.
Natal
dos terços de Maio, na velha Catedral de calçadas largas, que serviam de
confidentes e abrigo para os jovens apaixonados.
Natal
do Grande Ponto com o seu famoso bar “O Botijinha” que não tinha portas por ser
aberto noite e dia.
Natal
da sorveteria Cruzeiro, do Restaurante Acapulco e da AABB, na Avenida Deodoro,
que com sua quadra tão simples servia de ginásio para as competições
esportivas.
Natal
do Seminário São Pedro, onde os seminaristas ainda crianças arrastavam pesadas
batinas negras, se comportando como verdadeiros padres. Eu os achava tristes,
porém bonitos.
Natal
do Colégio da Conceição, de moral rígida e rigorosa, onde durante treze anos
fui sua aluna obediente, ingressando depois na Faculdade de Filosofia, onde o
Dr. Edgar Barbosa foi meu mestre, conselheiro e amigo.
Natal
dos tempos dos “banhos a vapor”, simples e artesanais na casa do sr. Teodósio,
uma vez que, as academias com suas sofisticadas saunas eram privilégio das
grandes cidades.
Natal
dos passeios no bonde de Petrópolis, que me levava às balaustradas da rua
Getúlio Vargas, de onde eu podia observar aquele mar imenso e lindo que
acalentava os meus sonhos de menina-moça e adormecia minha tristeza. Tinha,
também, o poder de guardar os meus segredos. Diante dele eu confessava minhas
obsessões ocultas, meus erros, meus desejos clandestinos e como um bom amigo,
ele cuidava das minhas escoriações emocionais. Natal sempre foi minha receita
de vida melhor, constantemente despertando o meu otimismo, a minha energia, o
meu humor e a minha confiança.
Natal
das festas da Padroeira, na Praça André de Albuquerque, repleta de barracas
cheias de prendas e sonhos que eram disputados num jogo de roleta.
Natal
do namoro avançado com os norte-americanos, ficou com fama de exagerada e
leviana. Mesmo assim, esse romance foi uma coisa positiva pois soltou mais os
freios sociais e eliminou certos preconceitos, tornando-a mais irreverente e
cativante.
Essa
foi a Natal criança, companheira da minha infância, que me embalou nos seus
braços infantis. Cidade colorida, costumava me presentear um arco-íris sobre as
dunas e delas descia me envolvendo em sinfonias de vida, dissolvendo minhas
crises existenciais. É difícil escapar ao fascínio de Natal que tão bem soube
robustecer minha alegria e teve a medida exata para me abrigar com as minhas
existências.
Hoje,
olhando a minha cidade, me sinto afagada por seu abraço e experimento essas
sensações tão fáceis de definir porque representam felicidade. Saboreando suas
conquistas, desejo que o progresso não destrua a sua poesia natural, a sua paisagem
e a sua canção. (LÊDA MARINHO VARELA DA COSTA é funcionária do tribunal
Regional do Trabalho, na 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Natal).
(Correspondência para o Setor de Pesquisa do Diário de natal/O Poti – Av. Rio
Branco, 325 – Natal/RN).
29 anos depois Natal está assim:
29 anos depois Natal está assim:
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