quarta-feira, 20 de março de 2019

DIÁRIO DA LEITURA "A IRA DE JUDAS"




1 fevereiro 2019 : A Ira de Judas é o título de um livro de Ana Claudia Trigueiro, que tem onze contos. Foi publicado pela CJA, a capa é de Heverton R e a revisão de Bárbara Parente. A autora abre o livro com um poema de Zila Mamede, que a meu ver é um aviso sobre o que o leitor vai encontrar nas próximas páginas.
Deixei-me renascer no silêncio das horas e fui ler os contos assombrados. Na sua forma tão peculiar de escrever Ana Cláudia Trigueiro me colocou frente a frente com um terrível tubarão; revelou quem foi a pessoa que encontrou o tesouro do pirata Jacques Riffaut, lá no Poço do Dentão e me fez vibrar com o plano de Simon.
Até aí eu percebi que o livro exigia de mim, quanto leitor, um comportamento diferente, deveria degusta-lo como os bons vinhos, sem pressa. Deixei-o em minha escrivaninha e fui dormir pensando nas imagens daqueles contos.

2 fevereiro 2019: Retorno à leitura e eis-me debruçado sobre o conto metafórico de um mártir da Revolução de 1817 no Rio Grande do Norte. Na sequência, “o tempo escorrega bruscamente”, ouço latidos da minha cachorra no quintal, a meiga Ing. Quando dou conta de mim já estou dentro do texto, ladeado por Januária e Tonho. Por que eu fui entrar no conto? Não bastava ter ficado como simples leitor? Sofri, corri, gritei dentro mim ( para não acordar Sandra). Fui salvo porque me lembrei que não havia tomado a dupla “Lo e Sin” (Losartana e Sinvastatina).  Teria eu ainda coragem para sair da Serra Corada e ir à página 72? Ing latiu e eu fui dormir.

3 fevereiro 2019: Esta é a terceira noite de leitura, percebo que o Daniel deste conto  talvez tivesse tido mais sorte se estivesse na cova dos leões, do que indo para casa em ruas tão desertas. Estou ávido pelo desfecho ... Já li e não vou revelar.  O conto sobre Abelin não é assombroso, é romântico.  Estamos precisando de espíritos como o de Plácida para cuidar das nossas memórias. Lembrei-me do túmulo de Nísia Floresta, invadido em sua área, desrespeitados os limites.

4 fevereiro 2019:  Estou de plantão e tenho tempo para ler. Daqui, bem próximo do morro de Mãe Luiza ouço tiros. Natal está muito violenta. Ana  Cláudia Trigueiro me oferece como abertura para minha leitura “O estranho cemitério do Serrote do Junco”.  Destaco a frase “ a dor de uma mãe que perdeu um filho lateja até seu último dia de vida”.  Quanta desordem aconteceria no mundo se realmente os mortos ressuscitassem  daquela forma.  Quem ainda não teve aquela sensação do já visto, já vivido (déjà-vus)? Eu mesmo tive várias, é algo transcendental, uma experiência como a de Erina.  Vejo que faltam poucas páginas para concluir o livro. Opto para continuar amanhã. 

5 fevereiro 2019:  Cada vez mais eu confio no livro dos livros, lá eu aprendi que não há nada novo debaixo do céu. Ao iniciar a leitura do penúltimo conto de hoje tenho a nítida sensação que a escritora Ana Claudia Trigueiro ouviu muitas das histórias que eu também escutei quando era criança. Pacto com o demônio é um mote sempre constante  nas histórias de “Trancoso”. O que gostei neste conto é que a autora  apresenta o diabo como um homem bem vestido, cheiroso, barbeado. Nada de chifres, rabo e catinga de enxofre.  Recordo-me da citação bíblica: “ ...Porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz” (2 Coríntios 11:14).  Satanás não rir, segundo a tradição judaica e cristã, mas no conto ele sorrir. São coisas possíveis à literatura. Começo o último conto. Um monstro chamado Labatut, reside num lajedo. Quando um dia eu for conhecer o tão lajedo terei muito cuidado para não me deparar com Labatut, afinal eu tenho gorduras espalhadas pelo corpo, e isso poderá despertar o apetite  do ogro.
E  assim terminei a leitura  do livro  A Ira de Judas.   Viver é maravilhoso, mas viver lendo é melhor ainda.

Francisco Martins

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