Alberto de Oliveira, ao tempo de seu curso de Farmácia na Faculdade de Medicina, foi instado por um colega a escrever um soneto de amor:
— É um presente que desejo oferecer à minha namorada — esclareceu o estudante.
O jovem poeta, sentando-se à mesa, passou para o papel, correntemente, como se os improvisasse, os quatorze versos de uma de suas últimas composições do gênero:
O jovem poeta, sentando-se à mesa, passou para o papel, correntemente, como se os improvisasse, os quatorze versos de uma de suas últimas composições do gênero:
Amar, viver de amor, ambos na idade
Em que o prado floreja e o sol fulgura,
Tu vendo em mim tua felicidade,
Eu vendo em ti minha maior ventura.
Moços ambos, no ardor da mocidade,
Amar, viver de amor que sempre dura,
E nem ter medo à própria sepultura,
Porque o amor vai além da eternidade.
Duas vidas unirmos numa vida,
Num só, dois corações se entrelaçando,
A alma de um gozo único vencida;
Eis o meu ideal, meu sonho brando,
Eis o nosso destino, alma querida,
Destino que há de vir... que vai tardando.
Tão fundamente há de ter tocado esse soneto o coração um tanto esquivo da namorada do estudante, que os dois, daí a tempos, terminaram casando.
Um dia, outro amigo do poeta formula-lhe idêntico pedido. Está noivo. E quer oferecer uns versos de amor à sua eleita. Louvado na boa fortuna do seu antigo soneto, Alberto de Oliveira volta a passá-lo ao papel. E outro casamento se realiza, ao embalo dos quatorze versos nupciais.
Mais tarde, outro amigo — e este colega, porque era também farmacêutico, — bate à porta de Alberto de Oliveira, a suplicar-lhe uns versos. Também está noivo. A moça é romântica. E deseja que o noivo lhe faça um soneto.
O poeta, sem relutância, volta a fazer nova cópia do velho soneto, o qual, para sossego de seus falsos autores, continuava inédito, por medida de prudência de seu verdadeiro autor.
Desta vez, entretanto, o ineditismo se rompe. O noivo farmacêutico, de posse dos versos admiráveis, publica-os num dos jornais do Rio. E eis que surge uma estralada dos diabos entre o primeiro falso autor do soneto e sua mulher. Não fora ela que inspirara os versos! O poeta verdadeiro era aquele que assinava o soneto!
A aventura do soneto não estava ainda terminada. Por enquanto, os versos de Alberto de Oliveira tinham circulado em área brasileira, entre o Rio e Niterói. Em breve, sairiam de nossas fronteiras, para uma aventura internacional.
Um dia, estava o poeta a fazer as unhas, numa barbearia do centro do Rio de Janeiro, quando a manicura, argentina de nascimento, pediu ao freguês, de quem era admiradora, que lhe desse um soneto de amor.
Alberto de Oliveira, ali mesmo, na sua letra tremida, volveu a passar ao papel os versos antigos:
Amar, viver de amor, ambos na idade
Em que o prado floreja e o sol fulgura...
A manicura, logo depois, mandou o soneto ao noivo, residente em Buenos Aires. Resultado: eis os versos de Alberto de Oliveira traduzidos para o espanhol e publicados na Argentina com o nome da moça.
No Rio Grande do Sul, o soneto foi lido, na sua versão castelhana. E logo um erudito de província, desses que têm a memória alerta para os encontros de ideias e de forma, denunciou de público o plágio, pondo em confronto o soneto da “poetisa” argentina com o soneto do noivo-farmacêutico...
FONTE: Anedotário Geral da Academia Brasileira. Josué Montello, 3ª Ed. Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1980. Páginas 24 a 26.
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