Na minha vida de folclorista, pesquisador de assuntos os mais vários, eu tive alguns momentos de beleza, que dariam poemas e poemas, da mais fina ternura e emoção.
1- E. SANTO – 16.07.79
Eu vi os artesãos do Espírito Santo, na noite iluminada do Agreste. Eram muitas as mão tecendo sonhos. E os seus donos, sentados nas calçadas, falavam dos assuntos mais banais que a noite, em sua teia de silêncios, escutava e anotava em seus Anais.
Aqui, uma mulher fazia rendas. Logo ali, outra mais tecia cestas. Um velho pescador de muitos anos consertava os estragos da tarrafa, companheira de fartas pescarias, nas águas generosas do Jacu. Um senhor parecido com um solene e austero Deus egipcio fumava. Seu oficio banal, era o oficio de fabricar cigarros e fumar.
E, assim, a rua inteira era uma festa, sob a luz do luar da lua cheia.
Aquele espírito comunitário da gente humilde do Espírito Santo, encheu meu coração de paz e amor, ao ver que ainda existe neste mundo pessoas que se encontram e que encontram nesse encontro de paz e amizade, aquilo que outras mais, jamais encontram.
II-LAGOA DO SAL - 26.10.85
Outra vez foi no pino do meio-dia. Eu ia numa rota de pesquisa que partindo de Touros, se alongava às praias do Gostoso, em São Miguel.
No meio do caminho, eu encontrei em Lagoa do Sal, uma alameda de frondosas mangueiras centenárias e, embaixo das mangueiras seculares, mulheres do lugar, labirinteiras, cumpriam sua sina de Penélopes.
O silêncio do mundo só parava, quando as ondas do mar arrebentavam, por trás do morro, que ficava em frente.
O contraste de tudo era patente. As mulheres do povo, nesse afă de transformar retalhos em tesouros de criatividade e de beleza, que seriam trocados, algum dia, por migalhas de bolsos avarentos;
os rugidos do mar, quebrando longe;
e as mangueiras imóveis e solenes, com sua sombra nobre e acolhedora, protegendo as mulheres do lugar, labirinteiras desde tenra infância, que nascidas um dia, nesse oficio, no mesmo oficio, um dia morrerão.
E tanta comunhão, havia ali, na Lagoa do Sal, naquele instante, que, nem falar, falavam, as mulheres. E seu silêncio grave prolongava, o silêncio das horas, campo fértil donde brotavam brancos labirintos.
III-PENHA - 24.04.2003
O que mais me encantou, porém, não vi. Apenas me contaram meus amigos.
Na cidade de Penha, (antigamente), Canguaretama (agora), aconteceu, no dia 24 de abril de 2003, a morte do brincante Antônio Lima, Capitão Mar-e-Guerra do Fandango.
Antônio Lima era pessoa rara. Conhecido de todos na cidade, conquistara a amizade e o respeito de todos os colegas do Fandango. Por isso, logo após a sua morte, os velhos companheiros decidiram prestar-lhe uma homenagem comovente, como nunca se viu nem se verá.
Foi assim que, vestidos de marujos, desfilaram nas ruas da cidade, cantando compungidos, o romance do "Corsário da India", que começa: "Aqui viemos, Santa Virgem vosso cortejo formar", levando o velho amigo ao cemitério. No Campo Santo, o grupo ainda cantou: "Saltamos desta nobre barca", despedida ao amigo que partia.
Canguaretama nunca viu um gesto, tão nobre nem tão belo, como aquele. Que outro mais, não podia ser igual.
A Cultura do Povo é uma cidade onde ainda persistem os exemplos de solidariedade e de nobreza, que ficarão, marcando para sempre, o passado, o presente e o futuro, dessa gente do povo, sempre amiga.
Deífilo Gurgel
Poeta e Folclorista
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