segunda-feira, 23 de setembro de 2019

XEXEU, O CORDELISTA DA MANGUEIRA


DISCURSO DE INAUGURAÇÃO DA CORDELTECA POETA XEXÉU – BIBLIOTECA DRIKA DUARTE – ESCOLA MUNICIPAL ANTONIO BASÍLIO – PARNAMIRIM/RN


Meus Senhores, minhas senhoras
Queridos alunos:

O nome do patrono  escolhido para a Cordelteca da Biblioteca Escolar Drika Duarte, aqui na Escola Municipal Antonio Basílio, é sem sombra de dúvidas um nome precioso do cordel brasileiro.

                        “...Sou Nordestino da gema
                        Do Rio Grande do Norte
                        Santo Antonio é minha terra
                        Poesia é meu esporte
                        Sem versar não tenho nada
                        Versando é que tenho sorte
                        (O Caboclo Sonhador – Xexéu)


João Gomes Sobrinho nasceu no Sítio Lajes, distrito, que fica distante três quilômetros da cidade de Santo Antonio/RN, no dia 13 de maio de 1938. Filho de agricultores. Seu pai se chamava Alísio Gomes de Carvalho e sua mãe Jesuína Gomes de Carvalho.  No ano de 1995  a Fundação José Augusto,  através dos pesquisadores Dácio Galvão, Severino Vicente e Gutenberg Costa, que andavam pelo interior do Rio Grande do Norte, mapeando a cultura popular,  encontraram-se com esse homem,  que morava no mesmo sítio onde nascera há 57 anos e que o povo o conhecia pelo nome de Poeta Xexéu.
                       
Naquele ano (1995), o Poeta Xexéu já tinha publicado vários folhetos de cordel, muitos dos quais se perderam em suas constantes mudanças. Andou muito  por este Brasil e sobre isso deu o seguinte depoimento ao pesquisador Gutenberg Costa:
“Sou um poeta popular, meio cigano e aventureiro inspirado,            que passa para o cordel, o modo de viver a sua vida, simples, humilde e cheia de poesia com o cantar dos pássaros e as sombras das árvores de meu sitiozinho” (COSTA, P. 235/ 236).
Se o Poeta Xexéu buscava a encarnação da poesia, na figura de uma mulher, podemos então compreender a razão pela qual teve tantas esposas e gerou muitos filhos. No dia 10 de maio deste ano eu fui prestigiar uma homenagem aos 81 anos do Poeta Xexéu, organizada pela Fundação Capitania das Artes/FUNCART, que teve como local o auditório do Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão, no bairro da Ribeira, em Natal.  Foi lá que eu conheci o caçula do Poeta Xexéu, um menino com 13 anos de idade, por nome de Gentil Jenuíno Gomes. Quanto eu lhe perguntei quantos irmãos ele tinha, deu-me a resposta:
-São muitos!
-Mais de dez?
-Sim
-Mais de  quinze?
-Mais ou menos.
            O pequeno Gentil, o filho “Benjamim”, usando a metáfora bíblica, é o  último cântico físico escrito pelo Poeta Xexéu. Ele não sabe sequer a dimensão  artística e o valor cultural que representa seu pai para a história do cordel brasileiro. Mas nós sabemos e por isso inauguramos hoje 23 de setembro de 2019, a Cordelteca Poeta Xexéu.
            Qual a razão dele ter escolhido o nome de “Xexéu” para usar como pseudônimo de suas produções literárias?
            Xexéu é nome de ave canora, que possui um cântico lindo e tem a  capacidade de imitar outros pássaros. Ouvir um Xexéu é escutar uma melodia que com certeza nos faz sentir bem.
            João Gomes Sobrinho nos diz que “aos nove anos de idade ele começou a juntar plateia, cantando  muito bonito, por isso lhe deram o apelido de Xexéu”.

                        Eu fiz o primeiro mote
                        Aos nove anos de idade
                        Naquela mangueira rosa
                        Foi a minha academia
                        Nela aprendi poesia
                        Na maior tranquilidade
                        (Poeta Xexéu)
            O Poeta Xexéu  também foi um leitor. Leu Cassimiro de Abreu, Machado de Assis, Castro Alves, são alguns dos escritores citados por ele. Aprendeu a ler na Cartilha do ABC e aprimorou a leitura com os folhetos de cordel.  Produziu mais de 800 folhetos de cordéis, mas grande parte está perdida e é um desafio aos pesquisadores para resgatar tamanha preciosidade.
                                    Agradeço ao meu Deus por ter nascido
                                    Com o dom de poeta popular
                                    Consegui aprender sem estudar
                                    Sou discípulo da Suprema Faculdade
                                    Quando recito numa universidade
                                    Escuto o Reitor me aplaudir
                                    Só Deus tem o poder de construir
                                    Um poeta da minha qualidade
                                   (Poeta Xexéu)
             O poeta Gelson Pessoa, autor do folheto “Sendo Xexeu Dom Quixote – Seu Sancho Pança eu seria”,    que desde quando conheceu Xexéu, sempre esteve ao seu lado, daí receber a alcunha de Sancho pança,   diz que  além de ter sido um excelente poeta, teve também a capacidade de memorizar seus versos, uma qualidade que poucos poetas exercitam na arte de declamar.
           
            Optei em tematizar este discurso com o título:  XEXÉU,  O CORDELISTA DA MANGUEIRA, e quero agora explicar a razão.  Um dos seus folhetos mais belo: A Flor da Mangueira Rosa, escrito em estrofes de oito versos ( oitavas) narra  o lugar mais sagrado para o poeta, o seu berço, onde ele veio ao mundo, deu seus primeiros passos e também chorou a morte da sua mãe.  Ouçamos:

 Lajes meu berço querido
Abençoado torrão,
Que me deu inspiração,
Pra tudo quanto escrevi,
Agradeço o grande mestre,
Lá do céu ter me ensinado,
Fazer poema inspirado
Da terra onde nasci.

Quem vier nas Lajes vê,
A lagoa e o serrote,
Que eu fiz o primeiro mote,
Com nove anos de idade,
Naquela mangueira rosa,
Foi a minha academia,
Nela aprendi poesia,
Na maior tranquilidade

Aquela mangueira ali
Representa um drama infindo
O monumento mais lindo
Que neste solo se ergueu
Era no quintal da casa
Que eu brincava diário
Hoje demonstra o cenário
Onde o poeta nasceu

Foi nessa mangueira onde,
Andei meus primeiros passos
Quando saia dos braços,
De quem mais me deu carinho
A morte levou mamãe,
Pra onde quem vai não vem,
Fez eu chorar sem ninguém,
Na sombra dela sozinho.

 Foi ali que eu vi abelhas,
Fazendo festas nas flores,
Passarinhos cantadores,
Saudando o nascer do dia,
O sabiá modulando,
No verde céu  arvoredo,
Como quem conta um segredo,
Num quadro de poesia.

Papai cantava comigo,
Na sombra dessa mangueira
A moda da jardineira,
E outra que dizia assim:
Enquanto vida eu tiver,
Por mim serás relembrada,
Moreninha bem-amada,
Pra que fugiste de mim.

O romance da princesa
Do Reino da Pedra Fina,
O de Alonso e Marina
E da Cigana Feiticeira,
Mistérios dos três anéis,
E a Lâmpada de Aladim,
Papai cantava pra mim
Na sombra dessa mangueira.

Essa mangueira foi palco,
De amor e poesia,
Na sombra dele eu relia,
Cartas de frase amorosa,
Cantei igual um xexéu,
Na mata verde do sonho,
Agora choro tristonho,
Revendo a mangueira rosa.

 Foi o tempo esse malvado,
Quem destruiu meus amores,
Despetalou todas flores,
Do meu pé de amor perfeito,
Só não destruiu ainda,
pra minha felicidade,
esse jardim de saudade,
que tem plantado em meu peito!

E esta saudade infinita,
De quem jamais esqueci,
Faz eu declamar aqui,
Sentindo a brisa cheirosa,
Trazer o cheiro suave,
Das primaveras de outrora
Recordo beijando agora,
A Flor da Mangueira Rosa!
           
O Poeta Marciano Medeiros, em recente homenagem a Xexéu diz que ele tinha um riso discreto, gostava de andar pela feira de Santo Antonio, era sentimental e romântico por natureza, tendo a poesia como porta voz desta peculiaridade.
A obra deixada pelo poeta João Gomes Sobrinho – o Xexéu do cordel brasileiro vai continuar perpetuando a sua existência literária.   No dia 13 de maio de 2019 na cidade de Santo Antonio, através da Fundação José Augusto, foi realizada uma linda festa em comemoração aos 81 anos de João Gomes Sobrinho, com a presença de familiares, amigos, poetas e admiradores.
Àquele momento eu escrevi no dia 10 de maio:

Você um poeta de ouro
Homem de grande valor
Hoje celebrando a vida
Com este imenso esplendor
Quisera ter o seu canto
Xexéu - menestrel  do amor.

 Começou inda pequeno
No mundo do versejar
Já faz tempo meu poeta
Mas pode continuar
A mangueira que era rosa
Não cansa de lhe esperar.
 
E derramo a minh’alma
Em profunda gratidão
Por Deus ter feito você
Sem nenhuma abstenção
Nestes oitenta e um anos
De grande inspiração.

Receba Xexéu dourado
Do poeta Beradeiro
Estes versos atrevidos
A um coração arteiro.
Plante lá no seu roçado
Dará frutos por inteiro
(Mané Beradeiro)

João Gomes Sobrinho
 ...Sentia o peso da idade
E preso pela saudade
Numa gaiola se achava
Com versos de consolava
Tinha na arte o sustento ...”
(CARDOSO, P. 44)

 Com o fragmento desta décima escrita pelo poeta Gilberto Cardoso,  no seu poema  “Meu encontro com o Xexéu”,  eu quero  ultimar minhas palavras, dizendo que mesmo quando esteve hospitalizado, não deixou de poetizar.
Um dos seus filhos, Josenildo Gomes, diz que ao chegar ao hospital  para fazer visita ao pai e quando perguntou como ele estava, , dele ouviu a resposta:

Pra mim a coisa vai feia
De um lado é o cemitério
Do outro lado a cadeia
De um lado se come barro
Do outro se leva peia.

O Poeta Xexéu partiu  deste mundo no dia 29 de maio de 2019. Cabe a nós enquanto leitores não esquecê-lo. Que em cada coração haja a semente de uma mangueira rosa aguardando ser regada com a poesia de Xexéu.

Parnamirim-RN, 23 de setembro de 2019

 
Mané Beradeiro


Referências:
CARDOSO, Gilberto. Um maço de cordéis – lições de gente e de bichos. Natal/RN:  CJA Editora, 2019.
COSTA, Gutenberg. Dicionário de Poetas Cordelistas Rio Grande do Norte. Mossoró/RN: Editora Queima Bucha, 2004.
https://www.youtube.com/watch?v=ly0dDxnV_Fc (Visualizada em 20 setembro 2019)
https://youtu.be/woiSBgGjTg ( visualizado em 23 setembro 2019)
https://www.youtube.com/watch?v=xDOo3xb0rW4 ( Visualizado em 20 setembro 2019)

2 comentários:

Unknown disse...

Parabéns, amigo Mané Beradeiro! Excelente texto e merecida homenagem ao inesquecível Xexéu!

Unknown disse...

Parabéns Mané Beradeiro. Belíssimo texto.