terça-feira, 7 de janeiro de 2020

ABRINDO " O BAÚ DO MEDO" - ANTOLOGIA DE CORDEL COM SUSPENSE E TERROR - PARTE I



 Assim como a Coleção “A Cabana Maldita” publicada em 2019 também apareceu no ano passado a  antologia de cordéis de suspense e terror, intitulada “O Baú do Medo”,  ambas com o selo da Nordestina Editora. “O Baú do Medo” um livro com 236 páginas, que tem a participação de 20 poetas.  Resolvi escrever sobre o material dessa antologia e para não ficar tão extensa a resenha dividi em duas partes, cada uma contemplará 10 folhetos, seguindo a ordem da própria antologia.
Tenho sentido alegria neste ofício de ser crítico do cordel brasileiro. Ser crítico é uma atividade solitária. Fazemos nossas considerações porque acreditamos que deixaremos um legado que servirá aos que leem hoje e aos que irão ler amanhã.
Busco escrever uma crítica mestra, que traga sinais da imparcialidade e seja luz àqueles que almejam apresentar aos seus leitores um cordel mais belo. Nesta estrada nem todos compreendem os meus passos. Mas continuo com o olhar fixo no horizonte, pois sinto que já tenho alguns olhando e agradecendo a jornada que ousei começar.
Suspense e terror são elementos que integram o conjunto do medo.  Nos cordéis da antologia “O Baú do Medo” iremos nos deparar com vários textos que trazem cenas onde personagens são estimulados às situações de possível luta ou fuga. Alguns poetas souberam construir com maestria, outros nem tantos, mas o que importa é que neste momento eles fazem história por serem participantes deste livro.

Zeca Pereira, editor e organizador desta antologia nos diz:

Quando surgiu a ideia de lança-la, eu já imaginava a tamanha dificuldade, pois não seria fácil encontrar    autores com textos prontos para esse fim, e realmente foi difícil...Para muitos, inclusive para mim, foi um grande desafio, mas eu tenho dito: o poeta precisa ser versátil para conseguir chamar  a atenção do leitor” (PEREIRA, 2019).

Foi pensando nessa dificuldade e na proposta da versatilidade acima que entro na leitura crítica destes cordéis e trago até vocês minhas considerações.

O COLECIONADOR DE CRÂNIOS – Alberto Figueredo
        Numa misteriosa mansão, de um morador estranho há um galpão com uma coleção horripilante.  Esta é a trama que Alberto Figueredo desenvolveu em 41 sextilhas. Um poema com 100% de rimas aproveitadas. Desenvolveu o poema com suspense e traz várias cenas de terror. Gostei da sequência dos fatos e da forma como foi encerrado o cordel.  Entretanto, pequenos ajustes devem ser feitos nas estrofes 5,6,7,10,28 e 31 no tocante a acentuação e concordância e nas estrofes 37 e 38 a questão da cacofonia, respectivamente “la´no dela” e “praquela”, expressões carregadas de sonoridades não poéticas. Veja também o autor as estrofes 3 e 13, nelas há uma fuga de coesão, afinal o colecionador é um velho (estrofe 3) ou um moço (estrofe 13?


O VULTO  - Aurineide Alencar
Neste cordel Aurineide Alencar nos traz um causo que aconteceu com Galego, morador do Sítio Sossego que viveu uma experiência diferente, com suspense e medo. Que tipo de “bicho” perseguiu Galego? Que aconteceu com o nosso protagonista? Para ter a resposta é necessário correr os olhos nas 31 estrofes do cordel (30 sextilhas e 1 nona). A poeta Aurineide conseguiu atingir 96,83% de rimas perfeitas. Não fechou os 100% por causa das rimas orais e as que mesclam singular e plural. Aqui também há necessidade de revisar algumas palavras que precisam serem escritas com iniciais maiúsculas (substantivos: Galego, Virgem Maria, Sítio Sossego). Em edições futuras a autora faça uso das aspas (“ “)  para as frases que são pensamentos  ou falas de personagens  citadas pelo narrador (estrofes 11,19,20,27) . Quando for o próprio personagem falando, em discurso direto não é preciso o uso das aspas, mas torna-se imperiosa a presença do travessão (─). Como por exemplo a estrofe 23:
                        Galego então resolveu
                            De onde estava gritar:
                            ─Eu também quero comer
                            “tô” com uma fome de lascar.
                            Bem nessa hora a cozinha
                            Voltou a silenciar.
                            (PEREIRA,   2019, P. 20)

Na estrofe 28, página 21,  o  correto é  o verbo acender e não ascender.



O NOIVADO MACABRO  - AroDinei Gaia

Estamos com Pedro, na cidade de Belém, numa sexta-feira, dia 13, data que traz elementos de azar. É noite, e a distância vamos acompanhar os passos de Pedro, lendo o que escreveu o poetar AroDinei Gaia, nas 32 estrofes, todas em sextilhas, que se entrelaçam na construção da trama de um noivado tão diferente. 100% de aproveitamento das rimas. Apenas um verso com necessidade de correção. Ele está na estrofe 4. Como se trata de um pensamento de Pedro não deve ter o uso do travessão (─), mas sim das aspas (“ “).


A MALDITA BOTIJA DO CASARÃO -  Antonio Marcos

As botijas fazem parte do universo de contos de suspense e terror, é quase impossível numa roda de conversas sobre  histórias mal-assombradas, não aparecer este assunto na pauta. No cordel também é assim. E é o poeta Antonio Marcos quem vai ter a primazia de contar uma história com botija, nesta antologia  “O Baú do Medo”.
Faz isso através de 34 estrofes, em sextilhas. Casarão abandonado, almas penadas, a botija, o diabo, caveira e outras coisas fazem parte da lista  dos ingredientes deste cordel. É bem verdade que em alguns momentos da narrativa sentimos mais a característica do gracejo que o suspense e terror. Todavia, de forma geral, Antonio Marcos conseguiu através de José e Pedro de Bil atingir o objetivo proposto pelo editor. 97,05% de rimas perfeitas. Eu fiquei querendo um fechamento da narrativa de forma mais impactante.



A LENDA DO VAQUEIRO FANTASMA – Cleber Eduão

Pedro Valente, vaqueiro, casado com Abla Cecília, é capaz de tudo para defender seu chão. Até que ponto vai a sua determinação?  Terá Pedro Valente força suficiente para enfrentar a força do coronelismo? O poeta Cleber Eduão é o autor desta narrativa, com 54 estrofes, em septilhas, 100% de  aproveitamento de rimas perfeitas.  Três observações eu sinalizo ao poeta Cleber Eduão: 1) O verbo estar. Em algumas estrofes ela vai aparecer escrito de forma contraída (“tava”). Isso é quase uma constante no meio dos textos de cordéis, inclusive eu usei muito sem perceber que aplicava um termo oral. Creio que ele só deva ser usado assim quando estiver representando uma fala direta de um personagem e neste caso, entre aspas e de forma itálica. 2) Lá na página 45, estrofe 22, o poeta  tem um verso, dentro do qual há um cacófato ( do grego kakophonía),  que nada mais é do que um som desagradável, neste caso “já tava”. 3) Na estrofe 49  reveja a ortografia do verso: “Quando ouviu-se a livuzia” (sic).


ZÉ DEGREDO E O MALAMÉM DO CASARÃO ASSOMBRADO – Chico Leite

O Malamém que o poeta Chico Leite  nos apresenta no seu texto é um personagem já bastante presente nas histórias contadas pelos nossos avós e bem como em livros de prosas que trazem contos populares.  O que Chico Leite escreveu foi um trabalho de alusão estrutural e, diga-se de passagem, bem montada, em suas 77 estrofes, sextilhas. É um misto de suspense, terror e um pouco de gracejo.  Nas 231 rimas presentes, 97,40%  estão harmoniosamente perfeitas. Zé Degredo prova ser um homem de coragem e fazer jus ao que diz a estrofe seguinte:
                        Não tinha medo de nada:
                            Onça, caipora ou fantasma,
                            Coisas que a qualquer um outro
                            Basta para dar até asma ...
                            A coragem deste Zé,
                            Até jagunço se pasma.
                            (PEREIRA, 2019, P. 53)



JARDIM DAS ALMAS – Douglas Sodré e Zeca Pereira

Nestes versos convidamos
O nosso caro leitor
Para seguirmos viagem
Nas asas dum beija-flor
Até o Jardim das Almas,
Cenário de grande horror.
(PEREIRA, 2019, P. 67)

Atendo ao convite dos poetas Douglas Sodré e Zeca Pereira e vou com eles até o Jardim das Almas. Conheço Maristela e o jardineiro Antonio Galeno. Uma história contada em 124 sextilhas, com nível de aproveitamento das rimas em 99,19%.  Os poetas souberam costurar os versos com uma linearidade que vai  de estrofe a estrofe cativando o leitor. É na 17ª que tem início o suspense:

De repente, Maristela
Ouviu sorrisos de alguém
Ela perguntou quem era
Não apareceu ninguém
Quando viu duas crianças
Como vindas do além.
(PEREIRA, 2019, P. 69).

As cenas construídas a seguir ganham a beleza de um rio que vai desaguar numa cachoeira, atingindo em minha perspectiva de leitor, o ápice do suspense a partir da estrofe 30:

                Matilde vendo os desenhos
                   Despertou suas lembranças,
                   Em um que tinha os rostos
                   De duas belas crianças
                  Desaparecidas há anos
                   Sem deixar mais esperanças.
                   (PEREIRA, 2019. P. 70)

Neste poema vai ser preciso fazer algumas podações nas estrofes 25, 76 e 95, para que o Jardim fique mais bonito.



O CANIBAL – Ednaldo Alves e Zeca Pereira

A história tem como palco a cidade de São Paulo,  capital. São 50 estrofes, em sextilhas, com mais cenas de terror do que suspense.  Durante 10 anos os crimes permaneciam sem soluções, até que um detetive resolve ir atrás deste mistério. Gutenberg Nogueira conseguirá obter êxito? Charles permanecerá no anonimato?  No texto só encontrei duas pequenas coisas a serem revistas:  no tocante a geografia física, estrofe 3, não se pode afirmar  “A praça da Catedral fica na  periferia”.  Catedrais  estão  sempre no centro das metrópoles. A outra está na estrofe 37,  página 89, tem uma palavra com ortografia errada. O poema tem 98% de aproveitamento de rimas perfeitas.




A LAGOA DO TERROR – Flávio Barjes

 Quatro jovens estudantes se aventuram pelo interior do Pará e vão escutar a história sobre o feiticeiro  Tomé Sobral.  Conselhos, canja de galinha e seguro são coisas que não fazem mal a ninguém.Terão  os jovens o discernimento do perigo que pode atingi-los naquela lagoa amaldiçoada? Quantos escaparão?  A Lagoa do Terror  infelizmente teve sua diagramação prejudicada na antologia, há várias estrofes fora de ordem. São 54 estrofes, em sextilhas, 100% de rimas perfeitas. Na página 97, a quarta estrofe, o verbo fazer deve ficar no impessoal (Onde já faz anos). Um cordel muito bem criado, com estrofes repletas de imagens que enriquecem o texto e trazem veracidade à narrativa.



 
O CARTEIRO FANTASMA – Flaviano Medeiros

Um carteiro do além que traz correspondências sinistras às suas vítimas. Entra em qualquer ambiente sem precisar usar as portas e suas cartas só podem ser abertas pelos destinatários, qualquer outra pessoa que tentar violar as correspondências não obterá êxito. Alfredo Mendonça Filho é um dos personagens que irá ser atribulado por esse carteiro.  Uma história que cativa o leitor. Muito bem montada, através das 171 estrofes em sextilhas que foram escritas pelo poeta Flaviano Medeiros. Um triângulo amoroso, um homem ambicioso, uma família, este trinômio vai prender  sua atenção na leitura.  100% de rimas perfeitas. Há erros de ortografia, acentuação de crase, uso inadequado do travessão, colocação pronominal, respectivamente nas estrofes 19,20,52,101,142.



NOTAS DOS POEMAS
1)   O Colecionador de Crânios – pelo suspense e terror nota 5.  Por causa dos ajustes que necessitam serem feitos nota geral 3,5.
2)  O Vulto -  pelo suspense  - nota 5. Pelos ajustes a serem feitos nota geral 3,5.
3)  O Noivado Macabro – Pelo suspense nota 5. Nota geral 5.
4)  A Maldita Botija do Casarão – Pelo suspense e terror nota 5.  Nota geral 4,5.
5)  A Lenda do Vaqueiro Fantasma – Pelo suspense – nota 4,5. Nota geral 4,5.
6)  Zé Degredo e o Malamém do Casarão Assombrado – Pelo suspense e terror – Nota 5. Nota geral 4.
7)  Jardim das Almas – Pelo suspense e terror – nota 5.  Pela podação a ser feita – nota geral 4.
8)  O Canibal – Pelas cenas de terror – nota 5.  Nota geral 4.
9)  A Lagoa do Terror - Pelas cenas de suspense e terror - nota 5. Nota geral 4
10)       O Carteiro Fantasma – Pelo suspense e  terror – nota 5. Nota geral 4,5.

          Vou ficando por aqui, mas breve voltarei. Permitam-me refazer dos medos e das lembranças horripilantes que estão povoando minha mente.


Mané Beradeiro
Parnamirim-RN, 07 de janeiro de 2020. 

Referência:

PEREIRA, Zeca. O Baú do Medo - Coletânea de Cordéis  de Suspense e Terror. Barreiras/BA: Nordestina Editora, 2019.



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