terça-feira, 20 de março de 2012

A TRAIÇÃO DE DONANA

Donana, moradora do Engenho Diamante, casada com Chico Bento, homem de valor consideral, procurou o velho padre, para contar um problema, coisa que homem não entende e sacerdote poder saber.
Tudo foi dito e falado, depois dela ter se ajoelhado, e com o dedo polegar feito o "pelo sinal", sem soltar da mão esquerda, um rosário de contas azuis, trazido do Juazeiro, bento pelo Padre Cíço. Isso foi lá na Matriz, da Igreja Conceição.
Pois bem, meu camarada, preste bem atenção, ao fato que eu vou narrar.Não é lenda, nem estória, conversa de ouvir falar. É parte, sim, deste vale, onde os anjos passam as férias, os santos estagiam e vez ou outra vem um diabo manchar o verde canavial.
Como eu estava dizendo, Donana, lá no confessionário, tendo a cabeça coberta com manto preto, escutou o padre falar:
-- Conte seus pecados minha filha.
Aquelas palavras soaram como lâminas das foices cortando as varas da cana de açúcar. Sua alma se abriu e assim ela narrou:
--Sou filha de Coronel, da Guarda Nacional, tenho parentes importantes, irmãos que são doutores, outros advogados, gente de muitos recursos, que ajudou esta Igreja, Dando sinos, cruz inglesa, mesa de comunhão, altar-mor e sacrário, pia batismal, etc e coisa e tal.
O padre ouvindo aquilo, deu um urro sem igual, tão forte e animal, que Santa Maria Goretti, a menina virginal, pulou do seu altar e foi se esconder debaixo da saia de Santa Rita.
Donana entendeu o recado que o padre deu. Deixou seu arquivo financeiro e se pôs a relatar seu pecado por inteiro.
--Estava eu no meu banho, no rio de água azul, jogando água por sobre o corpo, que a terra há de comer...
Interrompeu o padre (falando bem baixinho)
--Se Chico Bento deixar algo para apodrecer
--Perdão, falou algo sacerdote?
--Não minha filha, continue, continue
--Então, como estava dizendo, no meu banho sossegada, jogando cuiasnd'águas na cabeça, quando de repente eu vejo à  minha frente...
--O quê? Perguntou o padre com muita curiosidade.
--Eu vi uma barata. Mas logo a matei.
--Tá perdoada minha filha.
--Mas, padre, meu pecado é bem maior
--Então, diga, criatura. Deus tudo perdoa, e o sacerdote o que ouve silencia.
--Continuava eu no banho, quando ouço passos fortes. Meu corpo corpo estremece, minha alma se queima, e...
--E o quê filha! Pelas cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo conte logo este pecado!
--Tem certeza padre que serei perdoada?
--Tenho, cristã, conte de uma vez!
E Donana assim fez, narrou tim-tim por tim-tim o caso que aconteceu com ela e João da Traíra, no banho que sucedeu. Disse tudo, nada escondeu, da traição que meteu crifres em Chico Bento. Era o tempo da Quaresma, do ano do nunca-mais, do mês que se tem medo do bicho canavial, e tão logo quis o padre saber porque com João Traíra, ouviu a resposta mais tirana e paroquial:
-- E não estamos na Quaresma? Oxente! Traíra é peixe.
Tão logo soube o marido, vingou-se do acontecido, passando faca no "peixe" e deixando a "traíra" do tamanho de uma piaba que ninguém mais ofendeu. E durante muitos anos, este fato se contou dentro do mercado velho que Coronel Onofre edificou.

Mané Beradeiro - 15 de março de 2012

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