segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

LOBATO E O PINGUIM


Rangel lendo a Barca de Gleyre
 
Monteiro Lobato manteve correspondência com Godofredo Rangel durante quarenta anos. As cartas que ele escreveu para Rangel cobrem um período que vai de 1903 a 1943. Todas foram publicadas em dois tomos, sob o título  "A Barca de Gleyre". Estou lendo este material. Em 15 de julho de 1915 Monteiro Lobato estava em Santos-SP e é desta carta que eu trago para vocês parte deste missiva que achei cheia de humor com a cena que Lobato escreve para Rangel. Leia-a:

 

"Nas pedras de São Vicente peguei outro pinguim, de asinha machucada. E por causa desse coitadinho tive de brigar no bonde. Eu o trazia ao colo. O condutor, um português bem merecedor de que Cunhambebe o houvesse comido, implicou. “O regulamento purive conduzir aves nos bondes”. Eu quis discutir calmamente. “Ave tem penas, meu senhor, e onde estão as penas deste vivente?” aleguei. Ele teimou que era ave. Eu jurei que pinguim era filhote de foca, segundo a opinião de todos os zoólogos ou exploradores ao tipo de Amundsen, etc. – uma coisa comprida. Minha ideia era manter a discussão até que me aproximasse da casa do Heitor, mas o raio do mondrongo teve ideia luminosa. Fazer parar o bonde. “Com ave o bonde nan segue!” Eu ainda fiz chicana: “E se o Ruy estivesse aqui? Perguntou o alarve. “Ruy, a águia de Haia.” Ele desconfiou que eu estava a “mangaire” e fez parar o bonde e foi a um telefone “falar a Companhia e pedir pruvidencias.” Voltou. Continuou o estupido bate-boca. O bonde estava se atrasando. Havia mais gente dentro. Tive de ceder. Insultei-o a portuguesa e desci. A casa do Heitor não estava longe. Depois de exibido lá o meu pinguim, soltei-o de novo no mar. Com que gosto se meteu a nado! Quando vinha uma onda, enristava o bico e furava-a. e lá foi nadando e sumiu-se ao longe. Talvez tenha sido o único pinguim do mundo que jamais andou de bonde."

Nenhum comentário: