Rangel lendo a Barca de Gleyre |
Monteiro Lobato manteve correspondência com Godofredo Rangel durante quarenta anos. As cartas que ele escreveu para Rangel cobrem um período que vai de 1903 a 1943. Todas foram publicadas em dois tomos, sob o título "A Barca de Gleyre". Estou lendo este material. Em 15 de julho de 1915 Monteiro Lobato estava em Santos-SP e é desta carta que eu trago para vocês parte deste missiva que achei cheia de humor com a cena que Lobato escreve para Rangel. Leia-a:
"Nas
pedras de São Vicente peguei outro pinguim, de asinha machucada. E por causa
desse coitadinho tive de brigar no bonde. Eu o trazia ao colo. O condutor, um
português bem merecedor de que Cunhambebe o houvesse comido, implicou. “O
regulamento purive conduzir aves nos bondes”. Eu quis discutir calmamente. “Ave
tem penas, meu senhor, e onde estão as penas deste vivente?” aleguei. Ele
teimou que era ave. Eu jurei que pinguim era filhote de foca, segundo a opinião
de todos os zoólogos ou exploradores ao tipo de Amundsen, etc. – uma coisa
comprida. Minha ideia era manter a discussão até que me aproximasse da casa do
Heitor, mas o raio do mondrongo teve ideia luminosa. Fazer parar o bonde. “Com
ave o bonde nan segue!” Eu ainda fiz chicana: “E se o Ruy estivesse aqui?
Perguntou o alarve. “Ruy, a águia de Haia.” Ele desconfiou que eu estava a
“mangaire” e fez parar o bonde e foi a um telefone “falar a Companhia e pedir
pruvidencias.” Voltou. Continuou o estupido bate-boca. O bonde estava se
atrasando. Havia mais gente dentro. Tive de ceder. Insultei-o a portuguesa e
desci. A casa do Heitor não estava longe. Depois de exibido lá o meu pinguim,
soltei-o de novo no mar. Com que gosto se meteu a nado! Quando vinha uma onda,
enristava o bico e furava-a. e lá foi nadando e sumiu-se ao longe. Talvez tenha
sido o único pinguim do mundo que jamais andou de bonde."
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