quarta-feira, 3 de julho de 2019

O CURIOSO E FLAMEJANTE COLORISTA

     Quando uma pessoa se propõe a fazer algo para o qual não teve nenhum ensinamento afirmamos que ela é "curiosa". Quero apresentar ao leitor a história de um homem "curioso" que marcou a nossa literatura e foi de grande importância na estrutura editorial deste país.
   
     Suas atividades como "curioso" foram em vários campos da vida; em algumas teve sucesso, noutras não. Foi jornalista, tradutor, fazendeiro, escritor, editor, adido comercial brasileiro (em Nova York), político, desenhista, pintor, caricaturista e ilustrador. Além desses ofícios, a pessoa sobre a qual estou escrevendo teve sua graduação em Direito e foi promotor público. Viveu 66 anos, compreendidos entre 1882 a 1948.

     Consegue o ledor já saber sobre quem escrevo? Nos textos espalhados por vários jornais e revistas da sua época, ele usou muitos pseudônimos, bem mais de vinte. Refiro-me a Monteiro Lobato e quero mais precisamente resgatar o lado, talvez o menos conhecido, das atividades de desenhista, pintor e ilustrador.


( O Minarete, em Belenzinho, São Paulo capital, onde morou quando estudante de Direito. Aquarela pintada por ele)

     A vida de fazendeiro, aos vinte e seis anos de idade, dava ao homem Lobato tempo para se dedicar aos desenhos e aquarelas. Em 1908 ele escreveu para o amigo Godofredo Rangel:

Também pinto muito. Aquarelas como sempre.
A razão de preferir a aquarela ao óleo é que
com este sujo-me todo, inclusive a ponta do nariz.
Vou mandar-te um mar. Vivo aqui entre montanhas
e pois muito sem horizontes - e sempre com grandes
saudades dos horizontes marinhos. E pinto mar como
derivativo. Invento mares, aquarelas de mar...Invento
mares para sentir o horizonte. O horizonte faz bem à
alma (LOBATO, 1946, t. l, p. 224).

     Lobato sabia que para se tornar um bom desenhista era preciso praticar com constância: "Desenho é como piano, questão de exercício" dizia ele. E assim o fez. Sempre que podia enviava algumas ilustrações junto com as cartas remetidas para Rangel, e os desenhos tinham como tema as histórias dos contos que Lobato escrevia e até mesmo de textos da autoria de Rangel, como foi o caso de "Mãe".

     Prosseguiu o artista Lobato e em 1915 um artigo de uma revista feminina ousa adjetivá-lo de "flamante colorista", o que o deixou muito feliz. Ainda na Fazenda Buquira(SP), no mês de maio de 1915 ele se dedicou às aquarelas e desenhos. Vejam o que escreveu para seu amigo Rangel: "Todo este mês foi de desenho e aquarelas - com a literatura de castigo no canto." (LOBATO, 1946, t. 2, p 31).

     Esta prática de desenhar e pintar nunca foi aceita por Lobato como algo profissional; escreveu: "Desenho e pinto como me coço, porque vem a coceira - mas só me coço portas a dentro, para mim mesmo" (Idem, t.2, p. 60). O certo é que aos poucos ele foi vencendo a timidez e começou a mandar seus desenhos para algumas revistas, como, por exemplo, "Vida Moderna", que publicou caricaturas.

(Revista Vida Moderna - Ano XIII - Edição 309 - 12 de abril de 1917)

     No final do ano de 1917 Lobato já está buscando aperfeiçoamento na arte de desenhar. Vamos encontrá-lo frequentando o curso Elpons-Zadig-Wasth, em São Paulo, com aulas noturnas e isso já o encoraja a ilustrar o seu primeiro livro, que será marco da história editorial literária no Brasil.

     Em 1918 Monteiro Lobato estreia como escritor, com o livro de contos Urupês. A primeira edição é de mil exemplares, calculada pelo autor para ser esgotada em três ou quatro anos, o que surpreendeu Lobato, pois todos os livros foram vendidos em uma semana. E é em Urupês, na primeira edição, que podemos ter o maior conjunto de ilustrações assinadas por ele: vinte e três desenhos.

     É esta a face lobatiana que desejei compartilhar neste artigo. Um homem múltiplo, um herói civil, um apaixonado pela arte e sobretudo pela literatura.




Referências: 

ROCHA, Ruth. MARANHÃO, Ricardo. LAJOLO, Marisa. Monteiro Lobato - Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação, 1981.

LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. 1 Tomo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1946.

________________. A Barca de Gleyre. 2 Tomo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1946.

________________. Prefácios e Entrevistas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1946.

________________. Urupês. São Paulo: Editora Brasiliense, 1946.

Desenho 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=189740&pesq=helio%20bruma


FRANCISCO MARTINS é escritor e pesquisador. Secretário Administrativo do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Norte. Autor de numerosos cordéis e livros, dentre eles "Canção do Canavial na Briosa Vila do Ceará Mirim" "Autores e Assuntos na Revista da ANRL - 1951 a 2018".                                                                                                        

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