quarta-feira, 17 de julho de 2019

SÃO BENTO DO TRAÍRI - O DIA EM QUE A CONHECI

Existem no Rio Grande do Norte muitas cidades pequenas. São Bento do Traíri é uma delas com uma população municipal de aproximadamente 4 mil habitantes. Chega-se lá através da RN-091, que liga a cidade de Santa Cruz a São Bento do Traíri, 16 quilômetros com incontáveis buracos, diria que na RN-091 tem um para cada habitante de São Bento. 

Que levaria uma pessoa até aquela localidade? Todas as vezes que eu perguntava sobre aquela cidade, tinha sempre como resposta: "é um lugar que só vai até lá quem tem negócio a resolver". Ontem, 16 de julho, eu tive a curiosidade de conhecer este lugar tão reservado. Como já estava em Santa Cruz a oportunidade era viável. Cheguei cedo em São Bento do Traíri e levava dentro de mim o desejo de mostrar minha arte de contador de histórias às crianças daquela cidade.

Parei de frente a Escola Municipal José Ribeiro da Silva, situada à Rua Theodorico Bezerra, centro. Ninguém sabia do meu trabalho, quem eu era. Todos ignoravam que ali estava um homem apaixonado pela cultura e principalmente a leitura. Na ausência do diretor e do vice diretor, consegui falar com o coordenador pedagógico e falei do meu desejo de contar histórias durante 40 minutos para todas as crianças daquele turno. Ele concordou, mas só daria certo às 10 h. Perguntou se teria algum custo e eu respondi que seria um presente meu, faria o show gratuito. Ficamos então acertados que às 9:45 eu retornaria.

Aproveitei e fiquei olhando a cidade, a vida dos habitantes, naquela calma tão ausente nas cidades grandes. Todos se conhecem. E eu era um estranho que parou na praça, estacionou o carro e ficou sentado no banco. Nada procurava, nada perguntava, nada vendia. Percebi que das casas que estavam em frente ao lugar onde eu sentara,  algumas pessoas olhavam de maneira dissimulada. Aproveitei o banco e trouxe a mala com as coisas que usaria no show, queria conferir se tudo estava certo. Foi quando uma mulher, do outro lado, varrendo a calçada perguntou de lá:
-O senhor é vendedor de relógios?
-Não
-Pensei que fosse! Vende o quê?
-Sonhos, alegrias, momentos felizes!
Fez uma cara de espanto e falou:
-Agora pronto. Quem já viu vender umas coisas dessas!
A conversa parou por ali mesmo. Retornei a mala ao carro e voltei com um livro, queria aproveitar aquela amanhã e ler até a hora da minha apresentação na escola. 

Aquela paz só foi interrompida quando chegou um senhor usando chapéu de couro, sentou-se ao meu lado e de forma muito carismática fez a saudação:
-Bom dia!
Não foi um bom dia rápido, ele fez questão de demorar  na segunda palavra: "Bom diaaaaaaaaaaaaa!"
Respondi na mesma alegria. Conversamos e em poucos instantes  já percebi que ele dava notícias de tudo e de todos. 
-Tá vendo aquela moça? Pois  antonte ( antes de ontem)  dois cabras numa moto perseguiram ela de Santa Cruz até aqui perto para assaltar e tomar a moto dela. Pensa que conseguiram? Não! Ela é uma danada de corajosa. Acelerou e deixou os cabras comendo fumaça.
Eu só confirmei com a cabeça.
Ele me mostrou um pedaço de charque que veio buscar para a esposa temperar o feijão. Mas pelo jeito, provavelmente não seria o feijão do  próximo almoço. Não demonstrava nenhuma pressa em seguir seu destino. Contou-me a história em que perdeu dois porcos para um falso comprador que prometeu pagá-lo na feira de Santa Cruz. 
-Caí na conversa daquele safado, viu? Também o cara era vistoso. Carrão, bem vestido, conversa bonita, dizendo que conhecia o marchante daqui, fulano e sicrano. Quando eu cheguei em Santa Cruz e procurei por ele, nem o rastro existia. Levou meus porcos aquele filho de uma égua!
Finalmente ele se despediu! Estava chegando  a hora, desci para a escola. Os alunos se concentraram, os professores curiosos e atentos. Falei de mim, do que faço e dei a eles o meu melhor: distribui motivos para sonhar e dos meus lábios saíram palavras que as motivaram rir. Foi uma manhã inesquecível em São Bento do Traíri, um lugar que não precisa ter motivos ou negócios para ir.  






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