segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

SEM MEDO DE ESCREVER SOBRE O CORDEL BRASILEIRO COM TEMAS DE SUSPENSE E TERROR – PARTE I – COLEÇÃO A CABANA MALDITA



Existem vários quadros de classificações do cordel brasileiro. Alceu Maynard, Ariano Suassuna, Carlos Alberto Azevedo, Diégues Júnior, Cavalcanti  Proença, Roberto Câmara Benjamim, Orígenes Lessa, Raymond Cantel  são estudiosos  desta literatura e criadores  das classificações.
Entre estes, Orígenes Lessa (1903-1986) que classifica o cordel brasileiro em dois grandes conjuntos: temas permanentes e tipos passageiros ousou criar o campo de Sobrenatural, para poemas de terror e suspense.
O que tínhamos sobre este campo?
Talvez o que tenhamos de mais antigo neste assunto seja o texto de Leandro Gomes de Barros (1865-1918),” O Cachorro dos Mortos “, um poema dramático escrito provavelmente em 1906.
Alguns poetas  produziram textos que trazem cenas do sobrenatural. É preciso dizer, no entanto, que esses autores, nem sempre estavam preocupados em criar no leitor sentimentos de medo, suspense ou terror, a maioria deles desejava mesmo era que seu poema trouxesse prazer na leitura, por tal razão, as situações com os personagens e o sobrenatural ganhavam roupagem hilárias.
Vejamos alguns exemplos:

  Francisco Sales Arêda (1916-2005) integrante da segunda geração do cordel brasileiro, no folheto “A moça que dançou com uma caveira”.


 ...
Nisto chegou um rapaz
Falou na porta e entrou
Perguntou aqui se dança?
E logo se encostou
Pergentina disse ôba
Que lapa agora chegou!

João carbureto rasgou
Um samba na concertina
O desconhecido pegou
No braço de Pergentina
E gritou aduba o troço
Vamos se acabar menina

Quando deram duas voltas
Ele foi mudando de cor
Ficou um esqueleto preto
Fazendo um triste rancor
Criou chifre, peia e cauda
Como um dragão traidor

Tão logo começa a mutação do mundo real para o sobrenatural, o autor propositalmente prossegue seu poema relatando nas estrofes posteriores, de forma cômica, como o público presente no baile reagiu à caracterização diabólica.

Nesta hora o povo todo
Fez a maior arrelia
Apagou-se o candeeiro
E Cosme Preto dizia
Estamos com o cão de testa
Credo em Cruz Ave Maria

        Somente após a construção de nove estrofes cômicas é que o autor retorna à situação de Pergentina:

E Pergentina na sala
Ainda estava agarrada
A caveira lhe arrochando
E ela já desmaiada
A caveira beliscando
Mordendo e dando patada

Arêda não tem como já disse a intenção de escrever o cordel todo no clima de terror e medo.  E assim ele conclui:

Quando o dia amanheceu
Que foram ver Pergentina
Ela ainda estava muda
E quase morta a menina
Só fedia a alcatrão
Com sebo podre e urina.

  Joaquim Batista de Sena (1912-1993) – “História do Príncipe João Corajoso e a Princesa do Reino não vai ninguém” (157 estrofes, sextilhas, 1975)
 Feita esta introdução quero trazer aos leitores que está em formação a primeira coleção do cordel brasileiro feita especialmente com o tema de suspense e terror, já com alguns folhetos publicados, que tem como título “ A Cabana Maldita”. Vamos  conhecê-la!


Coleção A Cabana Maldita


 “O pacto maligno” é a história que abre a coleção A Cabana Maldita, uma série de folhetos totalmente voltada para o suspense e o terror, sempre tendo como constante um lugar fictício, por nome Fazenda Portal Grande, no Rio Grande do Sul.

Foi no Rio Grande do Sul,
Num ano de inverno forte,
Quando o velho bruxo fez
Sua cabana no norte,
Onde seus pactos malignos
À muito trouxe má sorte.
(Parte I)

A coleção é a primeira do gênero de suspense no cordel brasileiro, tendo até esta data, cinco folhetos publicados pela Nordestina Editora e 1 inédito. Trabalho digno de aplauso, porque envolve várias pessoas: poetas, diagramadores, revisores, capistas, etc.


  Os poetas Zeca Pereira e José Heitor Fonseca continuam juntos e são deles “O alambrador”, folheto que dá continuidade à saga.

Na fazenda Portal Grande,
A cerca estava caindo;
Os mourões apodrecendo,
O gado todo fugindo,
Há anos sem ter reparo
O tempo só destruindo.
(Parte II)

As histórias atestam a boa escolha do título da coleção. Estão realmente bem escritas, tendo capas e ilustrações que condizem com as estrofes e seguem em todos os folhetos um ritmo monocromático. Chamo a atenção do editor Zeca Pereira para que dê mais visibilidade aos capistas.  A parte III  quase que não se consegue ler a assinatura de Flavio Barjes  e fiquei sem saber o diagramador.

Terceiro conto de horror
Neste cordel apresento,
É a história duma noiva
Na hora do casamento
Que se viu abandonada
E chorou de sofrimento
(Parte III)

O poeta Niro Carper entra na geografia do medo e traz Mariana “A noiva”, numa formação construída também com Zeca Pereira, poeta que já conhece todos os cômodos da cabana maldita. É possível que neste texto, os autores tenham se influenciados com imagens da  “Noiva Cadáver”. Caso isso tenha acontecido, nenhum prejuízo há, só comprova que sempre produzimos  alicerçados em outras leituras.

...
Quero deixar um conselho
Para quem é indeciso:
-Não penda para a cabana,
Por favor tenha juízo.
(Parte IV)
 
Quando começar a leitura do folheto “A hospedaria da morte”, o leitor estará adentrando na cabana maldita, sendo ciceroneado  pelo poeta José Nascimento, que até agora escreveu a maior narrativa desta saga.
   


Eu não sei se é mentira
Do povo da região,
Muitas pessoas afirmam
Que já viram assombração,
....
(Parte V)

 Munidos com isqueiro e lampião, a gente vai tentar dormir na cabana. Será que conseguiremos?  O poeta Flávio Barjes nos recepciona com “O jantar repugnante”.  Sobre o enredo não irei descrever, apenas aguço a curiosidade, pois vale a pena ler. Até aqui 22 pessoas já foram vitimadas na cabana. Quanto mistério existe ali? Cabe aos amantes do cordel tentar descobrir, mas advirto ao leitor que ainda não conhece os poemas, que tenha por perto um bom suco de maracujá e se sofrer de insônia, não se aventure.
 

O tropeiro”  é a VI Parte dessa coleção. Esta ainda se encontra no prelo, mas graças ao Editor Zeca Pereira, que me adiantou o texto,  posso assegurar que os autores são José Heitor e Niro Carper. A capa é de Flávio Barjes. A diagramação está muito bem feita, contém até ilustrações. Com relação ao enredo eu fiquei com aquele gostinho de leitor faminto, bem que poderiam os autores terem escritos mais estrofes. 

A Coleção A Cabana Maldita é uma bela colcha de retalhos,   cada folheto que chega traz a sua contribuição e enriquece a saga. Os autores estão conseguindo atender o objetivo de levar suspense e terror ao leitor. 

 6  poetas( por enquanto) oriundos dos estados da Bahia,  Rio Grande do Sul, Pará e Alagoas são autores desta saga.
.
O pacto maligno –  Parte I - 32 estrofes/ sextilhas – 100% de rimas perfeitas – 10 vítimas – Nota 5

O alambrador – parte II – 32 estrofes/sextilhas – 100% de rimas perfeitas – 2 vítimas – Nota 5

A noiva – parte III – 32 estrofes/sextilhas – 100% de rimas perfeitas – 7 vítimas – Nota 5

A hospedaria da morte – parte IV – 36 estrofes/sextilhas – 99,53% de rimas perfeitas – 1 vítima – Nota 5

O jantar repugnante – parte V – 32 estrofes/sextilhas – 100% de rimas perfeitas – 1 vítima. – Nota 5

O tropeiro – parte VI -  32 estrofes/sextilhas – 96,87% de rimas perfeitas – 1 vítima. (Este folheto ainda está inédito. Será publicado em 2020) - Nota 4,5

O projeto da coleção A Cabana Maldita pretende publicar 10 folhetos no total.

Parabenizo a todos que participam deste projeto.  Ganham eles pelos poemas produzidos e muito mais ganhamos nós, os leitores, pela grandeza que fica no cordel brasileiro. Avante! Em 2020 trarei a resenha sobre "O Baú do Medo".

Mané Beradeiro
30 de dezembro 2019
Última resenha do ano.

Um comentário:

Unknown disse...

Eu, poeta Felipe Amaral, de Tabira, Pernambuco, fiz também, em 2012, uma coleção de 10 folhetos das assombrações de Tabira. Lancei-os em praça pública. São no estilo horror-cômico.
Forte abraço.