Na Semana da Consciência Negra eu quero trazer aos leitores a forma como era apresentado o negro dentro do cordel brasileiro. O racismo era forte! A imagem do negro estava sempre negativa e nunca positiva, tudo quanto era ruim se atribuía à cor negra. Escolhi algumas estrofes e versos de vários títulos de cordéis só para que possamos ter uma amostra do quanto o negro era desvalorizado no seio artístico cultural.
"Peleja de Manoel do Riachão com o Diabo", narrativa poética de Leandro Gomes de Barros, que data de 15 de abril de 1955 (64 anos).
"Riachão estava cantando
Na cidade do Açu,
Quando apareceu um negro
Da espécie de urubu
tinha a camisa de sola
e as calças de couro cru"
"A Malassombrada Peleja de Francisco Sales com o Negro Visão" , algumas edições trazem o título: A Mal Assombrada Peleja de Francisco Sales com o Negro Visão", eu mantenho o título da Coleção da Casa Rui Barbosa (RJ).
Francisco Sales Arêda |
É comum no cordel brasileiro a figura do diabo ser personalizada sempre como um homem negro.
...
"Nisso alguém falou na portaPediu licença e entrou
Era um negro estranho e feio
Que a todo mundo assombrou
Com uma viola velha
Junto de mim se sentou".
Num dos clássicos de José Pacheco, "A chegada de Lampião no Inferno", o quadro não é diferente no tocante a ter "cão" na cor preta.
...
"Morreram 10 negros velhos
Que não trabalhavam mais..."
...
"leve 3 dúzias de negro
Entre homem e mulher ..."
...
"E reuniu-se a negrada
Primeiro chegou Fuxico
Com um bacamarte velho
Gritando por Cão de Bico
Que trouxe o pau da prensa
E fosse chamar Trangença
Na casa de Maçarico"
...
"Satanás com esse incêndio
Tocou um búzio chamando
Correram todos os negros
Os que estavam brigando
Lampião pegou olhar
Não viu mais com quem brigar
Também foi se retirando"
Isso era tão comum, que é difícil encontrar nos textos poéticos da época algum cordel que não apresentasse o mal desta maneira. Vejam também o cordel " A mulher que deu a luz a um satanás" , da autoria de José Soares, o poeta repórter.
..."Os médicos apavorados
Naquela situação
Diante de um fenômeno
Que não tinha explicação
Não sabia distinguir
Se era um bebê ou um cão"
....
Dizem que o satanás
Era preto e muito forte
Mais não tinha experiência
Foi sequestrado pro norte
Não chegou aqui ainda
Porque não tinha transporte".
José Bernardo da Silva |
Até mesmo em romances, como é o caso da história de "Mariana e o Capitão do Navio", de José Bernardo da Silva, publicado em 7 de abril de 1951( 68 anos passados) quando o texto se portava a um negro rico, ainda assim era vítima do racismo.
No cordel acima temos Jorge, negro, rico, presidente de uma ilha no Japão, que se apaixona por Mariana e dela não recebe nenhuma esperança.
...
"A moça disse senhor
Quem lhe deu tal liberdade,
Olhe sua posição
E a sua qualidade
Pois em casar-me com negro
Eu nunca tive vontade"
Mais adiante, Mariana também vai falar:
"...Mesmo eu não caso com negro
Nem que S. Antonio me peça"
E é dela também a expressão:
"Sai-te cururu fardado
Cor de noite de escuro"
As fotos dos autores nos mostra que todos eles eram negros, exceto Leandro Gomes de Barros, que era branco e tinha olhos azuis. Isso prova o quanto ficou forte a ideia do racismo no coletivo e foi preciso muitos anos para que se construísse uma nova forma de pensar sobre o negro.
Ações estas que estão sendo feitas e implantadas pelo próprios poetas cordelistas, atualmente homens e mulheres. Mas isso é tema para um próximo artigo, brevemente.
Mané Beradeiro
17 de novembro de 2019 REFERÊNCIAS:
DUARTE, Manuel Florentino e outros. Literatura de Cordel - Volume I - Antologia. São Paulo(SP): Global Editora.
LITERATURA Popular em verso: Antologia Tomo I. Rio de Janeiro(RJ): Ministério da Educação e Cultura - Casa de Rui Barbosa, 1964.
VIANNA, Arievaldo. Leandro Gomes de Barros - o mestre da literatura de cordel - vida e obra. Fortaleza(CE): Edições Fundação Sintaf. Mossoró(RN): Queima Bucha, 2014.
Um comentário:
A chegada de Lampião no Inferno é foda, mas eu canto sem falar nos negros.
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