terça-feira, 7 de dezembro de 2021

CASSACOS - UM TEXTO DE OSWALDO LAMARTINE

   Oswaldo  Lamartine de Faria

  A presença da grafia nada assemelha o nosso cassaco nordestino ao guerreiro das estepes russa. Falta-lhe a montaria, o colorido das vestes, a destreza e a belicosidade do eslavo. Cassaco é chamado, em todo aquele mundo, o simples sertanejo de rede-nas-costas que vive no ciganismo do trabalho das construções públicas.

   De quando remonta a sua origem, não o sabemos. É de se imaginar ter aparecido após a criação do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, antiga IFCOS) pelos idos de 1908.


    Distingue-se do trabalhador ocasional cuja frustração das safras nos anos secos o faz caçar ganho nas construções do governo - pela atividade permanente, de janeiro a janeiro - nas obras públicas. Indiferentes à pegada do inverno, acodem de todos os cantos - isolados ou aos magotes, mais raramente com mulher e filhos, de caminhão ou a pé e quando donos de jumentos de trabalho, tangendo-os pelos caminhos - parecendo até mesmo que farejam o início da construção de um açude ou de uma estrada. mais das vezes, não conduzem sequer a própria ferramenta de seu trabalho de vez que é obrigação do encarregado da obra fornecê-la.

    No local, se arrancham ao abrigo de algum telheiro, à sombra de um pé-de-pau ou constroem latadas de ramos onde passam a viver. Todo o mobiliário dessa tosca e ocasional morada se resume na rede (que durante o dia permanece enrolada a um esteio), um malote onde trancam os guardados, alguns caixotes que também fazem a vez de cadeiras, um pote d'água de beber e a clássica panela de barro no fogão de trempe.

    Quando donos de tropas de jumentos, para o serviço de movimentação de terra, especulam logo um cercado onde fazer solta dos animais no fim do dia de trabalho.

    Nada cultivam. Adquirem para o sustento nas feiras sertanejas ou no próprio barraco que se instala nas imediações.

    Pilhéricos e mais despreocupados, não se mostram taciturnos como os sertanejos que ali estão fazendo ganho à espera do inverno. À noitinha, quando largam o serviço, sempre estão prontos para uma reunião - cantoria, jogo de cartas ou fobó - como indiferentes às canseiras do trabalho.

    Piolho das construções públicas onde cedo aprendem a dar-de-mamar a enxada, são por isso, habitualmente, enjeitados como diaristas nas fazendas daquelas redondezas.

    Muitos demonstram certa especialidade funcional. Alguns são paleadores de primeira e criam fama pela habilidade em sacudir a terra à grande altura, fazendo "foguetão" - a pá dá uma cambalhota no ar e volta às mãos do cassaco, enquanto a terra se destaca num bloco compacto.

    Costumam trabalhar cantando, na cadência do coco puxado por um, a que os outros respondem em coro. Na construção do açude Itãs (Caicó, RN) de 1932-6, paleavam ao som do "Tamanqueiro".

    "Oi tamanqueiro
    eu quero um par,
    quero um par.
    Eu quero um par,
    de tamanco prá dançá."

    Os da pedra - que trabalham nas pedreiras - são ainda mais teatrais. Três marreteiros malhando, às vezes no mesmo aço - fazem piruetas com a ferramenta que foge pelo sovaco e volta às mãos por cima do ombro - num assobio soprado que dá som à trajetória e no tinido da pancada, ritmo do coco, "que faz a pedra mais maneira" (mais leve):

    "Ôôôôô - malha
    Seu maia.
    Ôôôô - malha malhadô
    Vamos maiá,
    Seu maia,
    Vamos maiá,
    Segundo a marcha do tempo:
    É roda-pé, cama de vento,
    É ferro novo de engomá..."

    A permanência do cassaco no local se finda com o término da obra ou a notícia de uma outra frente de trabalho de remuneração mais vantajosa. Aí alcançam as estradas e recomeçam o ciganismo...

             
A imagem foi copiada do site <https://www.blogdoraimundomoura.com.br/2020/07/a-barragem-pereira-de-miranda-esta.html> visualizada em 7 dezembro 2021

                                                                     

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